terça-feira, 14 de setembro de 2010

meu medo de ser assim pra sempre.



De repente te pegas acendendo um cigarro na ponta do outro que foi aceso na ponta do anterior e assim sucessivamente de maneira que já perdeu a conta das bitucas e das tragadas profundas e das horas e horas que te encontras nesse espiral de incerteza e falsa calmaria e suspira devagaaaar.

Com essa gente de cabelo cor de fogo que te remete a lugares onde nunca esteve e pra onde gostaria desesperadamente de tele transportar sua alma, aquela que já não tem paz há infinitos dias e noites, semanas talvez, mas já passa das cinco, hora de abrir os trabalhos com o primeiro drink da noite que ensaia sua chegada, hora de amaciar sua alma pra aproveitar mais e melhor aqueles breves instantes em que o céu muda de cor a cada minuto e que, bem sabe, só de abrir os olhos e respirar o fresco, tudo parece estar no seu exato lugar, não importa muito a latitude ou a longitude em que te encontres levas a doce certeza de que o caos sempre cessa momentaneamente nos anoiteceres como que por encantamento e, infantil, repete mentalmente passes de mágica empoeirados da sua infância na esperança de que aquele breve presente se prolongue mais e mais, de que os ponteiros da sua alma congelem ali, onde está constantemente anoitecendo.

Sim, anoitecendo, porque já não presencia qualquer tipo de amanhecer cheio de graça de que falam os poetas desde sabe deus quando, e isso não tem importância desde que te aceite como este ser feito de estranhamentos e fugas constantes, precário e altamente inflamável, és pólvora à espera de qualquer faísca pra te consumir em chamas, ou de algum líquido pra te encharcar e assim te tirar da beira do abismo em que caminha bebada sem pára-quedas nem rede de proteção pra amortecer a queda que fatalmente virá pra te redefinir num amontoado de cacos cortantes, partes de um todo que jamais será recomposto da mesma maneira que antes, o que não te desagrada de tudo, porque pode ser cômodo te reconstruir em figuras inesperadas e indefinidas sem nada esperar ou desesperar, e pode no final das contas sair algo bonito, flor radioativa pra enganar algum desavisado que te acolha delicadamente e aspire teu perfume mortífero iniciando a própria morte lenta-linda-dolorosa a que o conduzirá mais esse brevíssimo navegar impreciso teu, pois só sabe ser diva enlouquecida, contramão, avesso, é o equívoco macio capaz de fazer naufragar tripulações inteiras em mares de risos e falsos festejos, é a escolha mais óbvia, a mais sedutora, a inevitável e, no entanto, é sempre um erro de cálculo para os inocentes, o atalho mais curto para o beco sem saída de uma tragédia a tragédia que é você.

E do belamente trágico se nutre e segue acendendo cigarros em pontas de cigarros acesos em pontas de cigarros anteriores a cada anoitecer e a cada engano sutil e a cada afago porco que ofereces quando pedes para que fiquem, para que cuidem de ti, como se fosse questão de mero reparo toda essa bagunça em que se derrama cada vez que alguém ultrapassa tua linha de segurança, e pela enésima vez jura o eterno e o incondicional a quem só legara confusão e faltas de ar a cada breve movimento seu, e assim se confunde cada vez mais na espessa lama de culpa e miséria em que se afoga cedo ou tarde, pois cedo ou tarde não haverá resposta aos teus pedidos de socorro e de colo e de aconchego e só te sobrará a última queda, a queda definitiva rumo ao inferno particular que cultivaste com cada mentira que disse, com cada olhar que desviaste, com cada promessa que quebraste, com cada frase que não terminaste.

0 comentários: