terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Quando saúde se tem, mais que isso é luxo.

tem um momento fatal na vida de qualquer um, que é quando você se dá conta: eu era feliz e não sabia. tá, vou explicar melhor. é assim: você vai levando uma vida não de todo ruim – trabalha, namora, tem lazer e bons restaurantes de quando em quando, enfim, vive até bem. aí, numa bela madrugada insone você se levanta num salto com uma sensação desesperadora de que o melhor da vida já passou. é pra matar o coração.

ilustremos (não que seja o seu nem o meu caso): dois ou cinco ou sete anos atrás você não dava conta de seus compromissos. poderia ir a um bar diferente a cada noite da semana com a certeza de que valeria a pena de alguma forma. nessa época você tinha dinheiros, conhecidos aos montes, um caso aqui e outro ali (e outro mais além), um fígado bonzinho e uma casa em local estratégico. então, o fato de a vida não fazer o menor sentido simplesmente não se tinha evidenciado diante de seus olhos.

nesse tempo, que hoje parece tão remoto e impossível, sua existência era uma festa. horários, obrigações e moral eram flexíveis. você até gostava de suas maiores preocupações, que consistiam basicamente em sofrimentos românticos premeditados. tá, esse exemplo não se aplica a homens héteros, de maneira geral. nem a pessoas centradas, crentes e decididas. ou seja, se aplica à maioria de nós. enfim, prosseguindo: nessa época você vivia livre e leve, sem se dar conta de que era feliz.

chega, e então, a fatídica madrugada insone a que me referi. você se vê absolutamente sozinho numa cidade estranha, ridiculamente enfiado num roupão felpudo e hesitando em se servir de uma taça de vinho porque amanhã cedinho tem que estar trabalhando. assim se opera a trágica confirmação: ah, como eu era feliz… noutro tempo estaria na enésima taça/dose sem a menor preocupação, poderia acordar a qualquer horário no dia seguinte e com certeza estaria me divertindo nesse exato horário, com perspectiva de melhora ao avançar da madrugada. ou seja: como foi que eu vim parar aqui?

meia hora (e meia garrafa) depois você com certeza estará cogitando fugir pra gringa. não importa pra onde nem pra fazer o quê: barcelona, londres ou paris; servir mesa, fazer strip ou uma pós. o fato é: nesse exato momento na sua cabeça confusa, talvez pelo mal funcionamento do seu fígado empoeirado, esse agora não faz o menor sentido. quando é que sai o próximo voo pra um romance de verão.

chego à conclusão que sou um grande molóide. nada me impede de ir, seja lá pra onde for, em vez de me contentar com doses homeopáticas de vinho noturno pra tapear a saudade do que já foi e fui. pode ser que as coisas melhorem, que tudo se ajeite sem grandes mudanças. ou pode ser que eu pegue aquele voo. cenas do próximo capítulo, que mal posso esperar pra estrelar.

2012


Cenas do próximo capítulo, que mal posso esperar pra estrelar. Rafael Amorim...

Uma festa acabou...

hoje pensei seriamente em te ligar. tá, não foi seriamente, mas pensei com muito carinho em você. eu sempre penso com todo o carinho do mundo em você, embora as regras sociais me indiquem que não deve ser assim. mas o querer bem a gente não escolhe, não tem razão, não precisa fazer sentido. embora sinta sua falta eu com certeza não saberia o que fazer com a sua presença. nosso passado é cinza, nossos presentes são distintos e nosso futuro provavelmente não inclui outro encontro.

sua falta se fez mais evidente quando outro dia vi um anúncio de uma empresa de transportes com um nome que eu jurava ser seu sobrenome. um filme passou na minha cabeça, e tive muita vontade de estar com você de novo. só estar, sem falar nada relevante, talvez rir como sempre rimos, fazer alguma dancinha debochada na noite paulistana, tomar qualquer drink pra conversa fluir melhor. me deu vontade até de ser triste perto de você, porque você sempre pareceu entender minhas fugas de mim, e minhas entradas e saídas e despedidas. mas te tenho como um espelho torto.

vivemos na mesma cidade, e nos vemos menos do que quando milhares de quilômetros nos separavam. aliás, não nos vemos. não sei da sua vida, mas sinto que ainda sei tão bem quem é você. não acho que voltaremos a tomar expresso atrás de expresso num café qualquer. não penso que tomaremos em segredo cervejas em são paulo num dia de semana qualquer, mas me vem uma sensação boa ao pensar que existe essa possibilidade, ainda que remota. é uma falta de não sei o que, porque nunca tivemos realmente um relacionamento próximo. talvez falta do que poderia ter sido.

no fim das contas, acho que tenho você como uma possibilidade, uma bela possibilidade congelada noutro tempo. você ficou em mim como uma linda fotografia de sorriso com olhinho sorrindo junto. e o cheiro que ficou é o daquele sabonete azul com o de cigarro. tudo muito nostálgico, mas não de uma forma trágica: é o tipo de nostalgia que me faz sorrir bobamente. é assim que eu te definiria em mim: um delicioso sorriso bobo.

se tudo fosse diferente, a gente passearia por feirinhas de antiguidade nos finais de semana e gastaria horrores com coisas inúteis, iríamos a shows presepada pra não lembrar das apresentações no outro dia, saborearíamos os melhores camarões e crepes e contra-filés, enfim, viveríamos aquela possibilidade de encontro. não deu. pena.

o tempo passou na janela e a gente nem viu. ilusões perdidas, sonhos inúteis, xícaras empoeiradas sem café de amanhã para ser servido – me sinto à vontade pra me dar ao luxo de ser feliz ao pensar você, que faz parte daquele algo que sempre faz falta, daquela ausência que sempre existirá e será sentida.