terça-feira, 14 de setembro de 2010

Doces águas do equívoco



Amor romântico é mais um dos clichês absolutos. Borboletas agitadas no estômago, sorriso bobo permantente, drogas cerebrais deleitando e amolecendo o corpo, necessidade inexplicável de estar próximo. Você sabe que vai dar em nada, é sempre assim, afinal, mas nem por isso deixa de se jogar de corpo e alma no precipício da vez. Sim, é sublime, é cor-de-rosa, é novidade para o ritmo do coração, mas sempre é mais um romance, mais uma paixão, talvez mais um amor, mas que inevitavelmente vai te quebrar as pernas e apodrecer o fígado ao final. Ou não, diria você, pouco escolado nas armadilhas da vida aos pares. Basta olhar para os lados e você verá que esse ou não não cabe. É provisório, conforme-se. Nunca é pra sempre, beibe.

Eu já acreditei em abraços-e-carinhos-e-beijinhos-sem-ter-fim. Já enxerguei amor onde havia um cronômetro em contagem regressiva num tic-tac ensurdecedor. Já elegi o melhor sexo do mundo até mudar de idéia ao último grande encontro de corpos (a propósito, sparkling: é esse o adjetivo, nessa língua, assim sonoro, remetendo a fogos de artifício subvertendo o céu norturno, é essa a palavra indicativa de perigo quando lhe vem entre lençóis). Eu já mudei os rumos da minha vida por alguém e já acreditei em ser feliz para sempre como nos contos de fada. Balela. É momento, circunstância, romance de folhetim. interesses mútuos até que a maré das circunstâncias tomem rumos opostos e afoguem a parte que fica pra trás, sim, alguém sempre vai encher os pulmões de água salgada até recuperar o ritmo da respiração pra se curar apesar das cicatrizes que as tragédias amorosas deixam desenhadas na gente. Assim sendo, depois de certo tempo a gente passa a enxergar no espelho uma pintura impressionista mal feita, torta, derretida, sem sentido algum. E aí a gente se fecha, até que algum desavisado tão borrado quanto a gente ache graça na bagunça em que nos construímos/destruímos e outro encontro temporário se arquitete.

Imagino que seja uma noção comum, essa, a de que já estamos tão avariados que a própria avaria, em sua totalidade, acaba nos deixando mais seguros. Será? existirá um ponto de extrema secura em que nada mais pode nos magoar? haverá o dia em que a redoma de proteção, a bolha dos avulsos será de fato eficaz? cheguei a adotar essa possibilidade como verdade, mas os rumos do coração a gente não escolhe, mesmo sabendo o mecanismo dessas histórias, sempre a dor arenosa do deserto nassariano pra finalizar mais um equívoco. E a última queda é sempre a mais doce, a que escorre mais densa, lenta e prazerozamente, a que aos poucos nos consome a ponto de nos levar a acreditar em tudo pra logo após desacreditar no mundo e desistir temporariamente do conforto de não ser só.

Talvez realmente não possam o tempo e os caminhos tortos que a gente toma corromperem nosso consurmir-se avassaladoramente em amores incertos, talvez a lucidez seja inseparável do tormento, talvez. Pode ser que só assumindo riscos e apostando inveteradamente na frágil deontologia do amor sejamos felizes e completos, ainda que aos pingos. E mesmo você que já nem sabe quem é, tantas as vezes que se reconstruiu do aparente nada, há de concordar: só os bichos são realmente fiéis, digo, cedo ou tarde alguém que lhe pareça divino vai te fazer mais uma vez perder o prumo e apostar as fichas que você já nem sabe se tem numa possibilidade, sim, uma mera possibilidade. E quem não quer? eu digo sim, eu quero sins.

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