sábado, 20 de março de 2010

sai desse corpo, menina!



il y a toujours quelque chose d'absent qui me tourmente.


Levanta dessa cama, vai. as coisas não podem ser tão ruins assim aí dentro e, se forem, escondê-las debaixo desse edredon não vai resolver. toma um banho, lava o rosto e a alma pra poder encarar o dia. assim, um de cada vez, sem medo do pra sempre. ontem eu encontrei uma blusa vermelha sua, que você não veste há anos. há tempos não te vejo enfeitando um decote profundo ou saltos finíssimos. há muito não te vejo gostando de si, gostando de ser. desde já não sei quando sinto falta de você.


É claro que tudo não vai se consertar num estalar de dedos, e que essa sua dor enorme não vai se curar com tylenol ou dipirona. a falta que te esmaga pode não ter fim, mas você precisa reaprender a respirar fundo e a olhar para os lados. não posso mais te ver caminhando reto rumo a sei lá o que, mesmo sabendo que esse caminho não te serve mais. e não posso te pegar pela mão e te mostrar as infinitas esquinas para outras direções a menos que você me a estenda. sinto falta de te ver chorar de rir e cantar num portunhol porco músicas do caetano e rodar e rodar até ficar tonta pra cair no sofá desnorteada e faceira. eu quero mais uma vez um sorriso nessa sua boca e brilho nesses seus olhos, mesmo que pra me enganar.


Entendo quando você diz que tudo parece torto e errado e morto. acredito que você se sente doente, fraca. mas tudo isso vem daí de dentro. essas febres são somatização desse mundo torto-e-errado-e-morto que você construiu onde insiste em se esconder. sim, essa dor é só sua. sim, só o tempo leva. e sim, ninguém pode viver isso por você. mas pra onde esse emaranhado de dor e tristeza pode te levar além do ponto em que você já chegou? mais que isso é o nada, é o fim, é a porta do hospício, honey. daí pra frente não é um túnel, é um buraco sem fundo que você mesma insiste em cavar. se permite um pouco de paz, deixa essas chuvas de verão lavarem toda a sujeira. esse estrago é irremediável, mas não é o último, você sabe, e talvez nem o mais cortante. deixa seu coração voltar a bater sereno e seus pés pisarem leves na cidade sem fim outra vez.



Sempre haverá alguma falta a te atomentar. sempre haverá os poréns, e sempre os quases pra te tirar o sono. dessa vez vai passar, cedo ou tarde vai passar, depende um pouco de você. mas certamente outras faltas virão, e outras pequenas ou grandes mortes, e outros irremediáveis e doloridos finais. é uma vida cadela que não controlamos e que a qualquer momento pode virar tudo ao avesso – para o bem ou para o mal. você só não pode se deixar assim, chumbada, acabada, jogada na sarjeta a espera de um caminhão pra atropelar sua miséria.



Me dá sua mão, vamos sair pra uma volta no quintal, que é seguro. depois partimos pra uma volta na quadra, pra uma caminhada até o parque e assim por diante até você sentir firmeza pra ganhar o mundo com o peito inflado de vida. te quero bem e te quero linda e te quero aprendendo a conviver com os percalços que sem dúvida virão. como disse caia, alguma coisa sempre faz falta. guarde sem dor, embora doa, e em segredo. seu sofrimento não precisa transbordar e inundar tudo à sua volta. essa dor não precisa se materializar em você. zipa e esconde ela numa sub-sub-sub-pasta do coração, num lugar que você tenha muita dificuldade de encontrar. é possível desviar desses cantos escuros da alma e prosseguir como se estivesse tudo bem – até o dia em que tudo de fato vai estar bem.

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