quarta-feira, 10 de março de 2010

O figado e os sapos nossos de cada dia.


O nosso fígado é uma coisa fantástica.Aceita todos os sapos que a gente engole na vida e ainda permite que soltemos aquele sorriso amarelo de canto de boca toda vez que algo nos viola a alma.Desde pequenos somos obrigados a amestrar o fígado a processar aquilo que, se o mundo fosse justo, viraria uma bofetada bem dada na cara de quem nos afronta.Um exemplo: que criança gosta de ter a bochecha apertada pela tia tosca?; ou quem suporta ser chantageado a qualquer tentativa de não comer... fígado(!) no almoço?Quando a gente cresce um pouco, começamos a sofrer do famoso “bullying” na escola pelos colegas menos providos de segurança no próprio taco, o que transforma a adolescência na prova de fogo crucial à resistência hepática, numa espécie seleção natural para a vida adulta. Só cresce quem tem fígado forte.Mais tarde, somos bombardeados por chefes inseguros, colegas inúteis, cônjujes carentes, amigos incômodos, filhos tiranos e por nós mesmos cansados e auto-sabotadores, dando início a um curioso processo de auto-suficiência alimentar: passamos nós mesmos a produzir os sapos nossos de cada dia, sem mais precisar da boa-vontade alheia.Só então, com sorte, envelhecemos resignados e morremos aliviados.Nessa hora, deveria ser lei que todo e qualquer fígado de todo e qualquer ser humano que passe desta pra uma melhor, seja retirado e mantido em câmara criogênica, num processo similar ao dos cordões umbilicais dos recém-nascidos, para estudos antropológicos posteriores.Afinal, tão importante quanto a impressão digital, os livros e as artes para entender o homem, sua individualidade e seu tempo, é o que o fígado de cada um tem a dizer sobre seu finado e engolidor de sapos dono.

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