terça-feira, 23 de março de 2010

Cápsula protetora contra sensações mais intensas.


As pessoas têm o terrível costume de poupar a alma. pode notar: principalmente quem já se arrebentou num relacionamento mal sucedido (quase todo mundo?) vive num esforço constante pra construir paredes em volta de si. em vez de deixar uma paixão criar asas e levá-las pro fabuloso reino das endorfinas, viram homens-bolhas, acomodados numa cápsula protetora contra sensações mais intensas.
E como a bolha é confortável! sim, ela é absolutamente eficaz contra qualquer dor romântica - vem com uma fonte infinita de chá de sumiço para os casos de a distância de outro mortal ultrapassar a linha de segurança da frieza-educadinha.
O problema é que a cápsula-anti-feridas-no-peito não é indestrutível, e, quando colide com entidade semelhante, pode subitamente entrar em processo de fusão. nessas circunstâncias, o chazinho de sumiço se torna extremamente amargo, e sua ingestão ocasiona severos efeitos colaterais: dor dilascerante no peito seguida de vômito de borboletas mortas. o habitante da bolha, sovina sentimental assumido, sabe disso muito bem, mas, diante dos prazeres indescritíveis da paixão nova, geralmente acaba adiando a tomada do tal chá.
Tendo as bolhas virado uma só, contudo, elas têm curto período de sobrevida. progressivamente suas paredes vão desmoronando juntamente com a possibilidade de os poupadores de alma passarem bem sem ter um ao outro ao alcance da boca.
E aí... bom, aí a pessoa cai em si e se pergunta: economizar alma pra quê? de que vale carregar um coração estéril (leia-se centros produtores de drogas internas - endorfinas, dopaminas e afins - em baixa atividade)? uma linha reta de emoções, tudo o que se buscava até então, passa a parecer insossa diante da iminência de saborosas variações para o alto (acompanhada, sem dúvida, da possibilidade de baixos futuros.)
Tomados pela euforia de um presente açucarado, os ex-avulsos-convictos se vêem esbanjando o melhor de si, e assumem a renúncia, ao menos temporária, à estabilidade de ser homem-bolha.
Mas afinal, polpar alma (pra quê?) a vida, pra ser vivida! com a devida intensidade, requer certa prodigalidade sentimental.

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