quarta-feira, 10 de março de 2010

2 minutos surreais

Sozinha, ria alto e revirava os olhos na mesa central do bar mal iluminado. Já tinha a atenção da platéia garantida há alguns minutos quando berrou um ô-seu-garçooooooooom! e deu palmadinhas na cadeira vazia pedindo que ele se sentasse. Armado o circo, começou a cena mais estapafúrdia que já presenciei.


Colocaram boleta na minha bebidaaaaaaaaaaa! eu tô "dogradaaaaaaaaa"! colocaram "tóchico" na minha bebidaaaa! - gritava como uma voz muito fina, bagunçando as sílabas e prolongando as do final.
O bar inteiro olhava abismado. Um riso aqui e outro ali, mas, de modo geral, o clima era de apreensão. O garçom suava num pedido silencioso de socorro, mas a mulher não parava de falar.
Quem colocou "dogra" na minha bebidaaaaaaaaaaa? eu tô "gávidraaaaaa"! quem vai cuidar da criançaaaaaaaaaa? essa criança é filha da boleta que colocaram na minha bebidaaaaaaaaaa! eu quero pensão! vou chamar a "puliça" agoraaaaaa!
Nesse momento um segurança se aproximou, mas não se atreveu a se dirigir à mulher. O garçom ensaiou uma saída, mas a foi puxado pelo braço:
Não sai daqui não! quero saber quem vai cuidar da criançaaaaa! que boleta é essa que você colocou na minha caipiraaaaa? que "dogra" é essa que deixa a gente "gávidraaaaaaaaaa"? eu quero uma indenização! não vou pagar a contaaaaa! chama o gerente agoraaaaaaaaa! ô-seu-gerente! ô-seu-gerente! eu tô "drogadaaaaaaaa"! eu tô "drogadaaaaaaaa"!
levantou-se agitadíssima e cambaleou rumo à saída com um sorriso-de-coringa deformando o rosto.
chama a help! chama um padre! chama a flávia alessandraaaaa! quem vai me levar pra delegaciaaaa? eu quero denunciar a "dogra" da bebidaaaaaaa! e quero saber quem vai cuidar da criançaaaaaaaaaaaa!...
Antes que as pessoas pudessem assimilar o que acontecia, staff e clientes, a mulher ganhou a rua sem a menor dificuldade - e sem pagar a conta. Durante alguns segundos, só se ouvia mick jagger anunciando a próxima música no telão. Nenhum suspiro, nenhuma voz, nenhum barulho de copo. Só dezenas de pares de olhos arregalados voltados pra porta do lugar, até que se instalou a desordem: gargalhadas, manifestações calorosas de revolta, gente levantado e formando fila pra sair, palmas, enfim, o espírito da mulher reinando absoluto sobre o happy hour daquela sexta-feira.
Assim foram os dois minutos mais surreais da minha breve vida. Se era "dogra", sem-vergonhice, pegadinha do malandro ou manifestação de alguma enfermidade mental, só a mulher sabe.

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